quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Não entendo gosto por filmes de terror porque nenhum nunca me assustou. Violência não assusta; dá agonia e acostuma mal o caráter, que vai pouco a pouco perdendo a habilidade de se chocar. Monstros, mortos-vivos, criaturas horrendas - fascinam e enjoam, não assustam. Espíritos e fantasmas menos ainda, que fui criada pra dar risada na cara das aparições, antes de puxar o lençol e descobrir algum engraçadinho querendo pregar peça. Enredos, sobretudo, não me assustam. Nada que faça sentido me assusta; nada que tenha a mínima explicação lógica ou se encaixe em qualquer esquema mental inteligível. Meus poucos medos de infância eram todos incompreensíveis e o pesadelo que mais me assombrou na vida não fazia muito sentido - que há com a hora em que os canais de TV fechavam e ficavam aquelas faixas coloridas na tela, com o símbolo da rede globo ou com um homem com os dois olhos normais e mais um na testa, sem pálpebras e sempre aberto, redondo como uma maçaneta, cantando sobre si mesmo com uma voz grave e bem empostada num porão empoeirado e cheio de quinquilharias antigas? O meu maior e mais esmagador medo, que perdura até hoje, é justamente a apeirofobia. Aterra-me o infinito porque é impossível compreendê-lo com um cérebro humano.

O Chamado pra mim só seria um verdadeiro filme de terror se se resumisse à fita que traz a morte em sete dias a quem assistir. Imagens desconexas; umas estáticas e outras se movimentando estranhamente; umas grotescas e outras assustadoramente inocentes e banais - um close incompreensivelmente demorado num copo de leite numa mesa em preto e branco com um zunido no fundo e pronto, já me botam ressabiada. Televisões desligadas, zumbidos de interferência. O rosto daquele homem com o qual as pessoas do mundo inteiro dizem sonhar (bem, toda a lenda urbana de aparecer o mesmo homem em sonhos de gente que nem se conhece) foi a coisa que mais me assustou nos últimos tempos. Uma campainha toca, a porta se abre e lá está ele, em preto e branco ou a cores, sorrindo estaticamente com aquele olhar que não se sabe se é sonso ou inquisidor. Sorrindo quieto por minutos, sem parar, e no fundo um silêncio aterrador (esse seria o meu pesadelo). Dos relatos de sonhos dali o que mais me assustou não foi o um em que o homem matava a pessoa, mas aquele em que era o pai dela. Se todas as pessoas sonhassem com aquele homem sendo um criminoso, eu não ficaria tão amedrontada quanto se sonhassem que era um amigo, alguém com uma mensagem ou uma aparição banal. É mais compreensível ter medo de um assassino.

Dado que a maior parte dos meus pesadelos se encaixa mais em realismo fantástico do que em surrealismo propriamente dito, minha atividade onírica nem sempre segue a regra da incompreensibilidade geral (ainda bem). Me atormentam dilemas morais e cenas chocantes em sonhos maus, mas nunca são estes os piores - sempre assustam mais os mais surreais. Fosse eu diretora, faria filmes de terror que se pareceriam todos em essência com a fita d'O chamado ou com a cena da raposa n'O Anticristo do Von Trier - chaos reigns. Cenas paradas de ambientes banais, closes de olhos e rostos observando fixamente o espectador, zumbidos, interferências e falhas na imagem, florestas, áreas naturais desoladas, fotografia em preto e branco sem cinzas ou meio-termos, máscaras de tortura, vermes, pessoas com capuz e coisas mais obviamente assustadoras, mas sem explicação, sempre sem explicação alguma. E algumas cenas tiradas de pesadelos já sonhados, que não conto aqui porque são segredo.

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